Quem mora na Zona Norte de São Paulo sabe que cada bairro é quase como uma cidade. Cada um com suas peculiaridades, crenças e costumes. A Brasilândia, localizada no fundão da ZN, abriga o bairro da Vila Penteado. Já o Carandiru, mora na divisa entre Santana e Vila Guilherme. De fato, região mais central da Zona Norte.
Inúmeros cruzamentos que encontram grandes ônibus durante todo o dia. Uma linha de metrô que existe desde 1975, comércios que movimentam o bairro, moradores de rua, usuários de drogas, uma Casa de Detenção e ruídos de metrópole o dia todo. Cenário caótico. Foi isso o que Aquiles de Silva Souza viu de baixo pra cima quando chegou da Vila Penteado para morar na Favela da Zaki Narchi.
A voz de locutor, o carisma no sorriso e a empatia em sempre olhar ao outro escondem as quatro décadas bem vividas do morador da Zaki Narchi. Aquiles é pai de dois filhos, Kauane Vieira de Souza, 21 anos, e João Paulo Vieira de Souza, 4 anos, que são combustível para sua rotina. Sentado na cama de seu quarto, com o celular em mãos, precisa fazer uma pausa antes de nossa conversa para pedir que João, o elétrico da família, pare de saracotear um pouco.
Há 28 anos na comunidade, hoje toma frente de diversas atividades que acontecem na quebrada e é membro ativo da Associação Sempre Zaki Narchi. A Sempre Zaki Narchi cuida das atividades na quebrada, coleta doações e fica em contato próximo com a Central Única das Favelas.
Desde os 11 anos de idade divide a vida com a Zaki Narchi e para os mais chegados é conhecido como Bugu. Infelizmente, Bugu relembra que a Zaki também abrigou muita violência em suas entranhas.
“O grau de violência era muito grande, às vezes a gente abria a porta e tinha que pular um cadáver”.
O moleque do fundão da ZN encontrou uma realidade absurdamente diferente na Favela.




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Esperteza, malandragem, olhar atento ao dia a dia. O molde da comunidade levou Aquiles a evoluir de forma muito rápida. O que, em sua visão, não é ruim. “Infelizmente são as coisas que a gente tem que ter. Vão ser olhadas um pouco como ruins, incomuns, mas eu acho que a gente tem que ter uma inteligência assim no olhar, um olhar mais esperto, mais… Pras coisas ruins eu digo, entendeu? Pra maldade”. Entre risadas, conta que hoje em dia é até um cara meio neurótico com tudo isso.
Sempre com muito amor ao próximo, encontrou no futebol uma forma de proporcionar à criançada da comunidade momentos longe do ócio. Trazer aquilo que não acontecia em sua época. A exemplo de um conhecido na Brasilândia que dava aulas de futebol, fez o mesmo na Zaki.
Desde 1995, junto com seu amigo desde a adolescência Ed Carlos, que hoje é líder comunitário da Zaki Narchi, sempre agitou partidas de futebol, quermesses e festas temáticas. Tudo em prol de proporcionar uma boa integração aos moradores.
A contar de 1998 a bagunça do futebol acontece. Sem profissionalismo, um time de meninas foi treinado para jogar contra o time do Colorado do Brás. O resultado do jogo foi feio para o time da Zaki, uma verdadeira lapada.
“Então falei: ‘vamos treinar pra ficar bom’. Assim começou a nossa parada com o futebol na comunidade, mas a escolinha mesmo foi sair de 2015 para 2016”, conta Bugu.
O primeiro time oficial de futebol da quebrada nasceu em 1999. Como homenagem para um dos amigos, o nome foi Nego Negro. Nego, grande amigo de Aquiles, foi assassinado em chacina no Jardim Brasil, no mesmo ano.
Com carinho, Aquiles lembra de outro de seus amigos que foi levado a tiros e ainda conta que Gal, outro morador lá da Zaki, também estava no momento, levou dois tiros, e por fim, sobreviveu. “Todos fazem parte da minha história”, finaliza com a voz cheia de saudade.
Desde então, o futebol tem aproximado a comunidade, que como Aquiles conta, não é lá muito unida. Hoje, de segunda a sexta, treinam por volta de 150 crianças, entre meninos e meninas. Com a pandemia, a atividade foi reduzida.
Aquiles encontrou no molde da Zaki Narchi sua família e, no outro, a oportunidade de fazer brilhar aquilo que sempre quis ver na comunidade: a união atrelada a sorrisos. Ao lado de Ed, Aquiles toma frente de diversos projetos da Zaki, dentre eles, o Dia Z, que movimenta mais de 800 crianças no dia 12 de outubro e proporciona inúmeras atividades de recreação.
“Tem coisas que se eu não tivesse morando aqui, eu acho que não ia chegar onde cheguei, quem eu sou.”
Falar sobre Aquiles sem falar de Zaki Narchi é quase como falar sobre arroz sem feijão.





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