Com os cabelos loiros platinados até o ombro, sentada na beliche do quarto das crianças, Vanessa Lima, 28 anos, começa nossa conversa contando que Laura pegou seu isqueiro esses dias para trás e colocou fogo em seu cabelo. Um susto e tanto! A caçula de seus 3 filhos gosta de uma folia e um bom papo.
Aos 28 anos, Vanessa, ao lado de seu marido, cria três: Rodrigo Silva, 14 anos, Lara Chrystine Silva, 12 anos e Laura Lyndisen Silva, 6 anos. Lara e Laura, geradas em seu ventre; Rodrigo, no coração. Antes de assumir a maternidade de Rodrigo, Vanessa é sua irmã mais velha. Desde os 19 anos o tem como filho, missão que abalou as estruturas.
Prestes a completar duas décadas de vida, Vanessa trabalhava em um salão de beleza em Santana. Fazia unha, cabelo, fechava caixa, abria o salão, comprava material, de tudo um pouco. Em meados da segunda semana de janeiro de 2012, sua mãe ficou doente e Vanessa ficou 15 dias sem ir trabalhar para focar o olhar na saúde daquela que já havia dedicado bálsamos de amor a ela.
Como CLT, Vanessa não poderia ficar um dia a mais sem trabalhar, já que perderia seu emprego. A mãe – que sentia um forte formigamento na barriga, não se alimentava, bebia apenas água gelada e fumava – acalmou a filha e disse para ela ir até o salão.
“Naquele dia acho que ela já tava meio que pressentindo”, conta Vanessa.
Após muita insistência, um abraço apertado e um beijo cheio de carinho, sua mãe disse que a amava e que ela deveria ir trabalhar, porque caso falecesse, quem iria cuidar das crianças? Atordoada, Vanessa foi até o salão e conversou com seu patrão, que pediu a ela que ficasse no local por um curto período até que ele voltasse do banco.
Neste meio tempo, Vanessa começou a atender duas clientes e recebeu uma ligação que dizia: “Filha, não estou bem. Tem como você vir pra casa para me levar no médico? Estou sentindo falta de ar e uma dor muito forte no peito”. Como não podia sair do salão no momento, Vanessa ligou para uma prima que acompanhou sua mãe até o Hospital do Mandaqui.
40 minutos depois, a tela do celular brilhou novamente. Era sua prima pedindo que Vanessa fosse até o hospital assinar alguns papéis da internação de sua mãe, que tinha passado mal no ponto de ônibus e havia sido socorrida por um amigo da comunidade.
“Naquele momento ali, era como se eu já soubesse que não era aquilo que ela estava falando pra mim”.
Apressadamente, Vanessa deixou as clientes de molho no salão, pegou a bolsa e saiu correndo de jaleco e luvas nas mãos. O desejo era apenas estar com sua mãe. Chegou correndo na sala de emergência do hospital e topou em um saco azul no chão com as roupas de sua mãe. O coração já não sabia mais para onde ir, o nervosismo tomou conta e os médicos não davam respostas a ela por conta de seu estado de choque.
Acompanhada de seu marido, que chegou certo tempo depois e mais calma por ter ao lado seu porto seguro, Vanessa ouviu do médico: “Vou levar você para ver sua mãe, mas a senhora tem que ser forte”. No momento, o chão se abriu e a verdade não precisava mais ser dita. Quando se deu conta, Vanessa estava no necrotério do hospital. Um infarto havia levado sua mãe.
“Sinceramente, assim, eu fiquei sem chão, sem palavras, sem nada. Eu só pensava o que eu iria fazer em relação às crianças. na época era o meu irmão Rodrigo e a Lara. Hoje em dia eu falo ‘os meus filhos’ porque são os meus filhos.”






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Cerca de 3 meses depois e muitas noites em claro chorando, Rodrigo perguntou: “Mana, a mamãe não volta mais?”. Vanessa novamente explicou com todo carinho que ela não voltaria. “Mas cadê minha mãe?”. Era noite, Vanessa chamou Rodrigo e Lara até o sofá que ficava na parede janela e perguntou a eles qual era a estrela que mais brilhava. Apoiado, Rodrigo apontou e disse:
“Aquela estrela é a mamãe, né, mana?”.
E a partir daquele dia, Rodrigo e Lara não dormiam sem dar boa noite para a estrela mais brilhante do céu. “Ali eu me dei conta que se não fosse eu, não ia ser ninguém que pudesse fazer por eles o que eu faço hoje”, diz Vanessa após passar muitos meses tentando digerir essa nova realidade.
Depois de um tempo, Rodrigo passou a chamar Vanessa de mãe, naturalmente. E é assim até hoje. Para que o pequeno não se esqueça de sua mãe de sangue, Vanessa conta que sempre se preocupou em mostrar fotos a ele e conversar sobre a mãe:
“eu sempre zelei por isso, fazer com que ele soubesse que ela sempre foi a mãe, era a mãe. E eu só era mãe por conta do que faço, pelo modo que crio, pelo carinho que eu dou. Não que eu tenha ficado no lugar dela”.
Por anos, Vanessa, seu marido e seus três filhos dividiram um quarto do apartamento de 40m² na Zaki. No local, após sua mãe falecer, moravam os cinco, seu irmão, a cunhada e um sobrinho. A convivência não foi nada fácil, o dinheiro saía sempre do bolso da família de Vanessa, enquanto seu irmão e cunhada não se esforçavam muito para manter um ambiente bom para todos.
No quarto que era a casa deles, Vanessa, seu marido e Laura dividiam uma cama de casal; Rodrigo e Lara um colchão de solteiro no chão em que dormiam um para cima e outro para baixo; uma televisão e um pequeno guarda-roupa. A vida acontecia ali dentro, momentos de risada, momentos de sufoco, e todas as lembranças do período.
Três anos atrás, mudaram-se para um apartamento no andar térreo do bloco 19. A mudança se resumiu aos pertences que estavam no quarto, somados a dois pratos e dois pares de talheres. “A gente arrumou um anjo na época, que é a minha vizinha aqui, a Dona Tereza”. Mesmo sem ter intimidade com a família na época, Dona Tereza emprestou a eles uma quantia suficiente para que comprassem uma geladeira e um fogão.
Na Zaki Narchi, Vanessa foi obrigada a aprender a viver. Construiu família, dividiu seu tempo entre o lar e algumas clientes de beleza. Vanessa aprendeu na marra a ser mãe, com todo o apoio e educação que sua mãe forneceu. Hoje, comemora por garantir aos filhos uma vida tranquila: um quarto com a privacidade deles, o Mc Donald’s de vez em quando e a certeza de que a família é o porto de cada um deles.
Na Associação Sempre Zaki Narchi, Vanessa encontrou a forma de se doar e curar suas feridas que a acompanharam e acompanham por muito tempo. Após perder sua mãe, começou a ter ataques repentinos de ansiedade e pensamentos intrusivos. Com o trabalho voluntário que faz na Associação, conta que consegue ocupar a mente e é grata por ajudar a comunidade, outras famílias e crianças que ainda se encontram passando aperto.
Na vida, Vanessa aprendeu com sua mãe. Hoje, é mãe de um de seus irmãos e de duas meninas que alegram a vida na Zaki. Aqui, a palavra mãe não é apenas um substantivo feminino, é também adjetivo, sujeito, predicado da vida de Vanessa e seus pequenos que têm a sorte de tê-la.








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