“Eu não saio muito daqui, não ando muito por aqui”, conta. Aninha, como a conheço, cresceu em berço de ouro dentro do Cingapura. Dona de uma educação invejável, é linda por dentro e por fora. Seus cachos de cor escura mostram a força que tem essa menina mulher. E suas palavras firmes e conscientes mostram sua maturidade no ápice da adolescência.
O sorriso dela brilha. As palavras nem sempre saem em nossa conversa, por vezes, a timidez toma conta. Ana Beatriz Gomes aprendeu a morar na Zaki Narchi, estar na Zaki Narchi. A Zaki é sua casa, mas será que é seu lar?
Há 14 anos vendo o mundo pelas janelas da Zaki, ela gosta de estar lá, afinal, o local é acessível. No entanto, a convivência com todos nem sempre existe.
“Aqui tem as pessoas que não dá nem pra se envolver e tem as pessoas que a gente cria algum laço, né?”
Suas maiores e melhores amizades, curiosamente ou não, são do colégio, Derville Alegretti – escola municipal de São Paulo. Inclusive, boa parte das crianças e adolescentes que moram na Zaki Narchi estudam no famoso Derville. Por ficar bem pertinho da Zaki, Aninha conta que vai sempre a pé para a escola. 1000 metros preenchem o trajeto que antes era feito diariamente. Hoje, por conta da pandemia, a caminhada se reduziu a duas ou três vezes na semana.
Seu refúgio está mesmo no quarto de paredes azuis e nuvens brancas. É sempre de casa para escola, da escola para casa. Às vezes está na casa de algum parente que mora na Zaki, com alguma amiga que não é de lá, dando um passeio por Santana ou no Parque da Juventude. Sempre caseira, conta que não gosta muito de ficar saindo de casa.
Sobre a pandemia, com sua sensatez, afirma um pouco inconformada: “aqui na Zaki não mudou muito não, ninguém usa máscara. Fica todo mundo como se estivesse num dia comum. Poucas pessoas usam máscara aqui”. Sorte ou certo olhar de Deus, a comunidade não teve muitas perdas nesse período.




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Acelerada que sou, pergunto à Aninha sobre seus planos para o futuro, se quer construir família, sair da Zaki Narchi, e levo uma invertida.
“Olha, por enquanto, eu tenho mais foco no meu estudo. Por enquanto não penso nisso, mas um dia quero, com certeza, construir uma família.”
O tempo voa e a menina mulher dos cabelos cacheados e sorriso feito estrela aprendeu a colocar os pés no chão perante sua realidade. Aos 14 anos, Aninha sabe o que quer ou não. Aninha sabe decidir o que é seu lar: seu pai, sua família e seus amigos.
Em outra de nossas conversas, me deparo com as paredes de seu quarto pintadas de cinza. Entendo, então, que o céu nem sempre está azul, a vida nem sempre é ensolarada. Desta vez, a timidez já passa longe.
“Mari, no que você vai se formar mesmo?”, ouço de forma curiosa. Ao responder que é jornalismo, me arrepio com o que ela diz:
“Decidi que quero fazer jornalismo também!”.
Entre as idas e vindas de um bate-papo que perdeu o rumo, Aninha revela que gosta muito de geopolítica e, mais ainda, de se comunicar. Ela se levanta da cama ainda por fazer, com um lençol de cor clara, e uma coberta xadrez de cor escura no canto, vai em direção a sua prateleira de livros e conta que ganhou de seu professor de geografia um livro sobre jornalismo, o qual ele pagou um real no sebo. É o Manual de Redação e Estilo do Estadão, datado de 1982.
Logo corre para me mostrar feliz que já leu algumas páginas, especialmente aquelas que dizem sobre diagramação do jornal e como funcionam as editorias. Em seguida, conta que escreveu um artigo de opinião na aula de redação e me traz para ler. Aninha esbanja maturidade, uma escrita concisa e muito consciente do momento político em que vivemos.
Seu sonho? Quem sabe passar na Escola de Comunicação e Artes da USP, mas que, segundo as palavras dela, é muito difícil.
Voltando a sentar em sua cama, sorri ao dizer que tem grande apreço pela leitura e que hoje está lendo A Menina Que Roubava Livros, de Markus Zusak. “Mas eu levei um spoiler”, completa desapontada olhando para o livro que tem em mãos.
A conversa flui por outros tantos caminhos, Aninha sempre com os olhos brilhando. Eu, mais ainda. Com a menina mulher dos cabelos cacheados, aprendi que as palavras significam, mas que o olhar diz muito mais.





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